Pas-de-deux
Um dia, enquanto dançava (há anos que parecem nunca ter existido de tão distantes), durante um recital, o rapaz que me segurava entre pliês e pas-de-deux começou, subitamente, a ficar muito branco. Sempre com um sorriso nos lábios, dissimulando o (meu) pânico e a sua notória dor física acabámos a peça. Quando saímos do estrado percebi que ele tinha, dede o início, uma agulha (das que usávamos para coser as sapatilhas de pontas, depois de as pontas de madeira serem postas no forno, para endurecer) enfiada no pé.
Apesar da dor indescritível que devia estar a sentir, e da transfiguração mal disfarçada no semblante, os seus movimentos continuaram graciosos, tecnicamente consistentes, perfeitamente compassados.
Hoje percebo que passamos a maior parte da vida em pontas. Mais do que o talento valem-nos a disciplina e a capacidade de abstrair da dor.
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Posted by Goldmundo | 12:51 da tarde
Posted by C. | 7:04 da manhã