Mel Com Cicuta 

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room.

 

William Hazlitt  
      

   

sexta-feira, junho 29, 2007

Um post com idade mental de 5 anos

Quando era menina e ficava em casa por estar doente havia sempre um sentimento misto de desconforto (pela enfermidade) com a liberdade (ainda que condicionada) de saber que o dia seria passado sem obrigações, entre mimos e leituras e programação televisiva de qualidade degradante.
Hoje, enrolada numa manta a maldizer as peculiaridades do ser humano, percebo que o mundo não me reserva, para os dias de moléstia, mais do que a imagem esganiçada de Fátima Lopes pela manhã e, se tiver muita sorte, a distracção longínqua proporcionada pelo torneio de Wimbledon de tarde. Acho que lhe chamam emancipação, mas, francamente, parece-me só uma maçada.

Seguimos para bingo

A Filigrana deu o mote e eu, avessa a cadeias-de-santo-António, ter-me-ia furtado categoricamente não fosse gostar tanto do que ela escreve que às vezes quase me apetece bater-lhe. como se não bastasse, ainda me ultrapassou pela direita quando arranjou uma das suas 5 vítimas, que, por suas vez, me rapinou mais uma ou outra.
Assim sendo, antes que se animem todos e eu não tenha a quem passar isto, e porque livros são coisa séria e conjugal (sobre a qual falaremos detidamente mais adiante neste blogue), os cinco últimos a partilhar a cabeceira cá de casa foram:

Coração tão branco, Javier Marias
Madame Bovary, Gustave Flaubert
Franny e Zooey, J.D. Salinger
Contos de Tchékhov, volume III, Anton Tchékhov
Anna Karénina, Lev Tolstoi

[Estou, neste momento, quase a arrumar o Vargas Llosa (a tia Júlia e o escrevedor) e a deixar-me seduzir pelos olhares dengosos que o Thomas Pynchon (Gravity's Rainbow) me lança cada vez que passo perto da estante].

Passo a palavra ao Francisco Mendes da Silva, ao Paulo Pinto Mascarenhas, ao Lourenço A. Cordeiro, ao Tiago Machado da Graça e ao Ricardo Gross. It's up to you, boys.

To empathise



o3:45 No sleep [The Cardigans]

quarta-feira, junho 27, 2007

Voucher [válido para duas pessoas]

Esta gente sabe coisas (2)

Com uns modos de mulher que frequenta salões de alta sociedade, explicou-lhe que o que perdia os homens era o medo da verdade e o espírito de contradição. Relativamente ao primeiro, fez luz no cérebro do vigilante explicando-lhe que o azar, o chamado acidente, não existiam, eram subterfúgios inventados pelos homens para dissimularem a maldade que tinham.

Mario Vargas Llosa, A tia Júlia e o Escrevedor

Esta gente sabe coisas

Estava tão perturbado que não conseguia imaginar um castigo capaz de se equiparar à falta. Sentia a mente brumosa, a ira dissolvia as ideias, e isso aumentava a sua amargura, pois o senhor Frederico era um homem em quem a razão decidia sempre a conduta, e que desprezava a raça de primários que actuavam, como as bestas, por instinto e palpite em vez de por convicção. Mas desta vez, enquanto tirava a chave e, com dificuldade, porque a raiva lhe entorpecia os dedos, abria e empurrava a porta de casa, compreendeu que não podia agir serena, calculadamente, mas sim sobre os ditames da cólera, seguindo a inspiração do instante. Depois de fechar a porta, respirou fundo, procurando acalmar-se. Envergonhava-se que aqueles ingratos fossem reparar na magnitude da sua humilhação.

Mario Vargas Llosa, A tia Júlia e o Escrevedor

Ao contrário do que possa parecer, este blogue não está morto. Só vagamente enlouquecido e esquecido de si mesmo numa pilha de papeis que gritam marcha de urgência e reclamam atenções exclusivas. Ainda assim, no meio do ritmo imposto a toque de caixa pela furiosa clientela institucional — acolhendo já com alguma simpatia a insónia patológica (que não propicia o descanso mas é amiga da incondicional produtividade )— a carcaça que alberga os despojos de um cérebro em tempos ágil regateou com os demónios o alargamento dos dias à exacta medida do tempo certo para (1) no Sábado, dia 23, ir ao CCB ouvir Phillip Glass e ter a oportunidade de lhe apertar a mesma mão que passou uma hora e meia a fazer ecoar 3 singelas notas; (2) no Domingo, dia 24, ir à Quinta da Piedade e, numa maravilhosa tarde de um verão ainda fresco, ouvir Stephen Kovacevich executar primorosamente (i) a Partita nº 4, em Ré Maior, BWV 828, de Bach, (ii) a Sonata para Piano nº 30, em Mi Maior, op. 109, de Beethoven e (iii) a Sonata para Piano nº 22, em Lá Maior, D. 959. de Schubert, ao mesmo tempo que os pássaros cantavam em torno da clarabóia que acolhia o pianista debaixo da qual um piano de cauda parecia não mais do que suspenso sobre a serra de Sintra; (3) na Segunda-feira, ir cumprimentar o novo Museu de Lisboa.
Tudo isto ao mesmo tempo que se fez saber terem nascido novas convicções e desalentos, novas formulações das mesmas vontades e manifestações distintas de quereres afinal, sempre iguais; reclinados numa cadeira, fazendo listas mentais de sensações relevantes e destinatários qualificados, saboreando um bom vinho e as cumplicidades amadurecidas em meias-pipas de carvalho novo português que apresentam, a quem delas possa desfrutar, uma cor intensa rubi, aromas de frutos encarnados combinados com aromas de madeira e uma sensação gustativa cheia, robusta e apimentada.

domingo, junho 24, 2007

Toda a gente mente (2)

Metade do mundo anda entretida a descobrir, dissecar pormenores e fazer saber --a quem nisso tenha todo ou nenhum interesse -- com quem a outra metade do mundo janta, almoça, se encontra e deita. Aqueles de nós a quem os pormenores da vida alheia aborrecem e enfastiam estão, nitidamente, na metade errada.

sexta-feira, junho 22, 2007

Manual para a caça de elefantes

O obstinado mais astuto sabe sempre quando deve parar de tentar.

Sonnet XVIII: Shall I compare thee to a summer's day?

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:


Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature's changing course untrimm'd;


But thy eternal summer shall not fade
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou growest:
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this and this gives life to thee.

William Shakespeare

Porque aqui e além se falou do Verão ainda por vir e também a propósito de uma correctíssima troca de impressões havida nesta casa, lembrei-me, enquanto passava a ponta dos dedos nas lombadas que se exibem, envaidecidas e multicolores, na parede da sala lá de casa, das saudades que tenho de sentir o sal já seco na pele quente e daquele acordar morno e ledo pouco depois de o sol se pôr e de a noite nos convidar para mesas fartas e conversas longas envoltas na brisa tépida e no bom vinho dos céus recamados.



(clicar para ouvir)

quinta-feira, junho 21, 2007

Do pequeno caminho a percorrer da ironia até ao sarcasmo (2)

Do pequeno caminho a percorrer da ironia até ao sarcasmo

My favorite things?


As definitivas.

quarta-feira, junho 20, 2007

Demência - uma abordagem prática

Apesar de a bateria do i-pod ter acabado há meia-hora atrás, ela mantinha os headphones postos só para que ninguém lhe fosse falar na rua.

Ou o recurso ao despeito como exercício de estilo

Il n'y a guère que le sadisme qui donne un fondement dans la vie à l'esthétique du mélodrame.

Marcel Proust, Le temps retrouvé

Do lado de lá das barras de ferro


[Edouard Manet: Gare St. Lazare, 1873. National Gallery, Washington. ]

Estado do tempo para hoje

terça-feira, junho 19, 2007

Mais do que almas puras, espíritos sãos.

Não é apenas pela capacidade de não pecar que se vê a magnificência de um católico, ou, numa versão ateia, não é apenas na capacidade de evitar fazer o mal que reside a grandeza de carácter do homem. A escala da elevação deve buscar-se na forma como este lida com as consequências dos seus actos de fraqueza e das suas cedências aos maus impulsos que lhe são, afinal, naturais. Não tendo a ilusão — nem sequer a ténue vontade — de vir a encontrar uma imagem de santidade, limito-me a afastar os covardes e os abjectos. Porque a imperfeição é para ser vivida e partilhada no silêncio do reconhecimento, mas não para ser varrida para debaixo do tapete.

Estado do tempo para hoje

Disseminar informação útil

Um amigo costuma repetir um provérbio cuja origem nos é desconhecida e que se tem tornado, para ambos, uma verdadeira bengala de dignidade: “quando notares que caíste num buraco, é altura de parar de escavar”.
Façam o favor de tentar em vossas casas.

segunda-feira, junho 18, 2007

Pequenas coisas que são grandes maçadas

A meio de Junho o edredon de penas continua, altivo e sobranceiro, a ocupar a cama.

Guia lonely planet - território: feminino.

[Ele] – Ajuda-me. Mas afinal o que raio é que as mulheres querem? Assim, em concreto?
[Ela] – As mulheres querem ser adivinhadas. Eu, pelos menos, quero não ter de explicar.
[Ele] – Mas é impossível adivinhar-vos. Não só não se explicam, como mudam de opinião e vontade a toda a hora.
[Ela] – Mas é isso mesmo. Queremos alguém que nos adivinhe a toda a hora. Se fosse tão simples como seguir uma ficha técnica não precisávamos de relações humanas. Limitávamo-nos a contratar empresas de logística, não te parece?

Reconhecimento

[B.] – Adivinhei logo que eras tu, mal te vi, de relance, ali nas prateleiras dos congelados.
[L.] – Ai sim? Então porquê?
[B.] – Não conheço mais ninguém suficientemente obsessivo para andar o Jumbo das Amoreiras inteiro de Moleskine e caneta na mão, com um molho de margaridas debaixo do braço.
[L.] - …

Hoje, apenas isto.

Toda a gente mente

Os mais assíduos dos quase sessenta minutos diários de Dr. House no canal Fox saberão certamente do que estou a falar. Não tenho uma visão puritana da mentira — aliás, não me permito uma perspectiva puritana de quase nada na vida— e acho, mesmo, que a mentira pode ser, em alguns casos, a forma mais eficiente de contornar um problema ou de evitar constrangimentos desnecessários.
Contudo, duas notas essenciais: (1) a absoluta necessidade de competência na mentira, o que significa que não se pode mentir sem analisar todas a variáveis envolvidas e ver mitigado o risco de sermos apanhados e (2) a necessidade de evitar a alienação, ou seja, a noção de que o agente deve sempre ser fiel à sua mentira, mas não deixar-se entregue a ela como se fosse o próprio o enganado.
Mentir bem é uma arte como outra qualquer, requer inteligência, coordenação, sentido estético. Atrapalhar-se na mentira ou embrulhar-se nela é como tropeçar nos próprios atacadores: evitável se tivermos um mínimo de atenção e confrangedoramente patético.

sábado, junho 16, 2007

Breve tratado sobre a conversa de almofada

“na cama tudo de conta”, não há segredos entre aqueles que a partilham, a cama é um confessionário. Por amor ou pelo que é a sua essência — contar, informar, anunciar, comentar, opinar, distrair, ouvir e rir, e projectar em vão ¬— trai-se os outros, os amigos, os pais, os irmãos, os consanguíneos e os não consanguíneos, soa antigos amores e as convicções, as antigas amantes, o próprio passado e a própria infância, a própria língua que deixa de ser falar a sem dúvida a própria pátria, aquilo que em todas as pessoas há de segredo, ou talvez de passado. Para lisonjear quem se ama denigre-se o resto do existente, nega-se e execra-se tudo para contentar e reasegurar apenas um que pode ir-se embora, a força do território que delimita a almofada é tanta que exclui do seu seio tudo quando não está nela, e é um território que pela sua própria natureza não permite que nada esteja nela excepto os cônjuges, ou os amantes que em certo sentido ficam sozinhos e por isso falam um com o outro e nada calam, involuntariamente. A almofada é arredondada e suave e, muitas vezes branca, e com o correr do tempo o arredondado e branca acaba por substituir o mundo, e a sua débil roda.

Javier Marias, Coração tão branco

sexta-feira, junho 15, 2007

Render-se às evidências

Estado do tempo para hoje

quinta-feira, junho 14, 2007

13 de Junho revisited

Tinha esquecido daquele dia. Não por razões ponderosas ou pressas ou outras prioridades racionalizadas e estabelecidas, mas pura e simplesmente porque aqueles dias de outros tinham deixado de ser os seus. Em tempos idos teria corrido a celebrar ou, na pior das hipóteses (tantas vezes verificada) feito um esforço por não lembrar o que significava — ainda que a verificação do inegável ficasse a ecoar-lhe na cabeça como os passos metálicos no chão de mármore de um claustro vazio de gente.
Desta vez nem um sussurro, nem o vociferar quente de uma memória distante e vingativa de ter sido abandonada. Nem, no dia seguinte, o intrusivo sintoma que se segue ao esforço involuntário mas hercúleo que o querer faz tantas vezes para afastar as tristes vontades renegadas. Desta vez, nada, além do silêncio de mim, da serenidade que antecede o rebentar de uma mina relapsamente deixada esquecer de uma guerra de há muitos anos que atinge invariavelmente quem dela não tenha tomado parte.*
*por ocasião do aniversário do autor do Desassossego.

13 de junho de 1888 - Nasce em Lisboa, às 3 horas da tarde, Fernando António Nogueira Pessoa.

Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido – sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não- significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.
Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama a Decadência. A Decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.
O LIVRO DO DESASSOSSEGO 29-03-1930
A propósito do aniversário de Pessoa, ontem, e de outras conversas mundanas, um excerto do único livro que não sai daquela cabeceira atormentada e que responde às perguntas que não foram feitas mas tão-só pensadas, no sono, na vigília semi-desperta.

Cá dentro e lá fora é Novembro. A única coisa errada é, portanto, o sorriso irónico do calendário.

terça-feira, junho 12, 2007

Para colar na porta do frigorífico

Já vos disse que gosto mesmo do que a f. escreve, quando não fala sobre a lei do tabaco?

E o Verão, chega quando?


Paris



Passávamos estes dias na minha cidade. Aquela que especiais circunstâncias fizeram minha. Os bairros (sou uma pessoa que gosta de cidades subdivididas em bairros com vida própria e características inconfundíveis) que acordavam e adormeciam respeitando as fronteiras entre as vidas dos que tinham escolhido cada um deles para morar ou passear-se.
As livrarias, enormes, e colecções intermináveis de livros de bolso que conferem (a ingénua e quase ridícula) convicção de que não se está a deixar por lá uma quantia ofensiva; as pastelarias, sempre requintadas e pictóricas como se de ourivesarias antigas se tratasse; os museus e as salas intermináveis -- que os de nós mais obsessivos da metodologia da viagem dividem por dias, consoante a época e o estilo para os quais estão, depois de acordar, mais virados; os restaurantes, bons para quem conhece os certos, magníficos para quem possa pagar os especiais, lamentáveis para quem não tenha mais do que um guia American Express por referência; as igrejas e capelas entre o sumptuoso e o acolhedor, como pousadas cristãs que acolhem os corpos cansados de todos, mesmo os não crentes, mesmo os homens e mulheres de outras preces e orações, mesmo os carentes de escrúpulo.
As avenidas largas cujas margens do trânsito alternam entre ser ocupadas por árvores (senhoras de sombras providencias e idílicas) e lojas de criadores que fazem da moda uma forma de arte tão acima do comum dos mortais como outra arte qualquer.
Esta não era aquela cidade de mais ninguém. Não daquela forma, não aqueles específicos e concretos lugares (como aquela livraria empoeirada onde nos perdemos tantas vezes um do outro que desistimos, por fim, de nos encontrar até que fosse hora de sair levando mais peso nos braços do que no corpo de cada um; ou aquela sapataria onde fui depois de te ter depositado na loja de cds mais próxima com um “volto já” que durou duas horas e sete caixas de sapatos que pagariam a próxima viagem que não chegámos a fazer).
Quando, há algum tempo, num raro momento de esperança na longevidade e sobrevivência, nos perguntávamos onde iríamos de férias, achei que terias lido nos meus olhos (aqueles opacos) que já tinha escolhido aquelas ruas. Sem ti. Não pelo lugar comum de não regressar aos sítios onde tenhamos sido (ficcionalmente) felizes, mas porque os de nós que têm alma de viajante (embora não de nómada) sabem bem quando é altura de abandonar uma pessoa e de voltar a uma cidade.

segunda-feira, junho 11, 2007

Ainda sobre a suficiência (e, em larga medida, sobre cerejas)

Gravity's rainbow

Era tão bom, tão simples, tão confortável e fluente que, logo ao primeiro momento, se lhes abateu nos ombros a sentença clara da impossibilidade.

Antídoto para os sintomas causados por manifestações ostensivas de humanidade

domingo, junho 10, 2007

4 menos 1

O Verão fingido deixa que chova lá fora. E olho-o da cadeira onde tantas vezes nos sentámos para ouvir a chuva sincera do Inverno. Não somos mais do que um Outono de meias-verdades.

sábado, junho 09, 2007

Não há o menor dos perigos de este não ser o melhor disco de 2006


E segue para a Jukebox mental a preferida cá da casa

Ela era tão snob que, quando a convidaram para passar os santos populares na Bica, se dirigiu a um restaurante da moda perto de Santa Apolónia.

sexta-feira, junho 08, 2007

Publicidade institucional



O magnífico vídeo do Nuno.

Morrer na praia



Enquanto lêem para nós. Há mortes melhores que outras.

Vidas interessantes

Aconteciam sempre coisas novas, não necessariamente boas. As (raras mas não pouco importantes) coisas boas eram mitigadas por uma qualquer reminiscência amarga, pela exaustão trazida da aspereza do caminho. A todos os momentos chegavam e partiam pessoas e elas iam assistindo àquelas chegadas e partidas e permanências como se estivessem de fora da sua própria vida. Jantavam e tinham longas conversas e desconstruiam a realidade como se aquilo que cada uma sentia na pele lhes estivesse mais distante do que na verdade estava. E assim sobreviviam. Pela relativização, pela racionalidade, e pelas (poucas mas importantes) coisas boas que lhes traziam a solidez de espírito.
Não fugiam aos embates e tinham um jeito muito próprio de curar as mazelas de cada uma e de todas as outras aplicando uma lógica de compensações impossível de perceber para quem estivesse de fora mas que lhes era absolutamente indispensável.
Sabiam exactamente o que queriam, o que podiam ou não fazer, o que lhes era negado. Desrespeitavam a impossibilidade com ironia e olhavam o infortúnio de soslaio e a serenidade (que lhes era negada) com um suspiro.
Aconteciam sempre coisas novas, não necessariamente boas: eram vidas interessantes que a serenidade, felizmente, arruinou.

quarta-feira, junho 06, 2007

Não era dos confessadamente malucos que devia ter medo. Era dos (aparentemente) saudáveis.

terça-feira, junho 05, 2007

Da sabedoria popular

Quando o taxista que a levantou do chão, depois a ter resgatado de um buraco do passeio à entrada do táxi, e lhe disse: — hoje, a quente, não vai sentir nada mas, amanhã, esse tornozelo vai estar mesmo feio…; ela não achou que a coisa pudesse alcançar tamanhas proporções.
Como se não bastasse, há menos de 3 semanas, ter sucumbido a um chão encerado que lhe deixou dois joelhos inutilizados e uma omoplata negra, eis que o divino castigo se focaliza no tornozelo mau, o esquerdo, já vitimado de sobra pelas lesões acumuladas no ballet.
Assim — após um intenso plano de festas no fim-de-semana, parcialmente relatado aqui, pela estrela em ascensão na crónica social da direita/esquerda-intelectual-conservadora/liberal — os dias serão vividos na reclusão do recobro, sempre com a perna estendida, ora trabalhando ao som de Mehldau, ora na mais apreciada companhia dos clássicos Russos e de Glen Miller, marca de pedantismo que, aos olhos de muitos, a fará merecedora de torcer o único tornozelo são.

segunda-feira, junho 04, 2007

Critérios residuais

Ainda que na total ausência de bom senso, valha-nos, ao menos, a noção do ridículo.

Entretanto, na mesa ao lado

[A amiga] - O triste é que eu já conheci várias mulheres com quem me teria casado, se fossem homens.
[Ela] - Não, o que é mesmo triste é que eu já conheci vários homens que afirmaram que teriam casado comigo se gostassem de mulheres.

Roland Garros

A mãe dizia desde sempre que, se fosse demasiado fácil, não era indicado para ela. Uma amiga chegada contrapunha, afirmando que, se fosse demasiado difícil, era porque não era para ser. Anos depois, vivendo sempre guiada pela sensatez decana da primeira, percebeu que há situações nas quais a dificuldade simplesmente não se justifica. Não vale o esforço, o desgaste, o dispêndio de energias. As pessoas que dão demasiado trabalho e requerem uma significativa e descompensada alocação de recursos não se coadunam com o merecimento, critério essencial para aferição de entradas para dentro da soleira da porta. Se, em nossa casa, falta alguém que merecia lá estar, devemos ter a humildade de procurá-lo convidando-o a entrar; se estiver lá alguém a mais (por falta de espaço ou manifestação excessiva da sua própria existência) é indicar o caminho da porta. Todos cometemos erros, mas não somos obrigados a levar uma vida curvados e em flagelação a pagar pelos soundbytes relacionais que revistas femininas alardeiam para que alguns vivam um bocadinho melhor na frustração das respectivas agruras. No mais, aconselha-se apenas que as pessoas se limitem a praticar desportos para os quais sejam minimamente dotadas. Ver um tenista de domingo desafiar Federer para “bater umas bolas” não é um acto de coragem, é apenas uma manifestação de como o ser humano, no seu umbiguismo envaidecido, é capaz de ser ilimitadamente patético. A velocidade dos hard courts não é para todos. Alguns nasceram para a terra batida das emoções.

Sempre me reconheceram especial talento para negar evidências. Assim sendo, hoje não é segunda-feira. Queiram, por favor, regressar ordeiramente para os vossos lares.

sábado, junho 02, 2007

O riso das crianças dos outros

Motivos imperiosos --um cd de jazz esgotado em todos os outros lados-- levaram-me ao Colombo, ontem, à hora de almoço. Centenas de crianças. Fui atropelada por um esquadrão mais enérgico ante o olhar complacente de um segurança que, encolhendo os ombros, me diz: "é dia da criança". Ah--penso eu--isso muda tudo. Eu, se calhar, devia ter ido comprar cds ao jardim zoológico ou ao oceanário.

sexta-feira, junho 01, 2007

Das felicidades pequeninas

Quando estiver a viver os momentos mais felizes da minha vida não terei disponibilidade mental para coisas menores. Para comentar e conjecturar sobre a vida dos outros, para fazer referências jocosas ou sequer meramente circunstanciais. Espero (e sei que irei) interromper os tempos idílicos sempre que um amigo precise ou peça, sempre que se justifique por imperiosa razão, porque os tempos felizes dependem também das grandes e pequenas vitórias e derrotas dos que nos são próximos.
Mas nunca interromper ou conspurcar a plenitude dos dias com as reles mundanidades de vidas que não são minhas, corromper a agenda com a expiação mediata de pecadilhos alheios sem mandato para a redenção dos outros.
Quando estiver a viver os meus melhores momentos — como já aconteceu no passado — o modo pause só se justifica para abraçar quem mereça ou precise ou tenha ganho esse direito. A felicidade que se deixa interromper ou contaminar pela avidez dos pormenores da vida alheia é uma felicidade pequenina. E felicidades pequeninas provocam-me náuseas.