Mel Com Cicuta 

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room.

 

William Hazlitt  
      

   

quinta-feira, maio 31, 2007

Diz que está a chegar o Verão



E nós gostamos é de dançar.

quarta-feira, maio 30, 2007

Desporto de eleição? O jogo de cintura.

terça-feira, maio 29, 2007

O difícil foi ficar sentado, com tanto sangue a ferver.




Esta noite, no CCB, não esperava grande coisa. Tinha ouvido duas ou três músicas do tal cantor flamenco que me era anunciado como coisa fora de série por um amigo próximo. Longe de figurar na lista das minhas escolhas naturais, Cigala levou-me, ainda céptica, sobretudo pelo bom pretexto de rever uma cumplicidade antiga. O concerto começou, com esta mesma música e o cigano de sangue fervente mas na altura ainda morno fez-se acompanhar pelos mesmíssimos Yumitus no piano, Yelsy Heredia no contrabaixo, Diego El Morao na guitarra e SABU na percussão.
As músicas foram-se seguindo, a sala aquecendo e aquela voz poderosa entre o choro cantado e o grito resvaladiço encheu todos os cantos e espaços e passou, como um braço á volta da cintura delas e um outro à volta do ombro deles, seduzindo-os um a um.
A paixão — estado de exaltação e arritmia — germina no impacto da surpresa. Seja quando essa surpresa dimana do embate primeiro, seja quando — depois de muitos contactos e repetidos encontros, sem que deles tenha surgido efeito especialmente entusiasmante — aparece sob a forma de revelação, véu levantado de descoberta do já antes visto mas não enxergado.
Esta noite, lamentavelmente, seria a noite ideal para nos termos apaixonado.

Era só isto que o senhor tinha de ter feito. Não custava nada.

segunda-feira, maio 28, 2007

Era para não ser nada daquilo

Era para não ser nada daquilo, quando saíram de casa, numa Sexta-feira à noite, para o concerto de Dave Matthew’s Band que foi — pelo menos para uma delas— a personificação melodiosa do enfado.
Era para não ser nada daquilo, quando resolveram, para animar cada uma, ir jantar a um restaurante mediano e contribuir — em larguíssima medida— para as boas notícias que o CEO da Moet & Chandon tenha para dar aos seus accionistas, no fecho das contas do ano em curso; e, bem assim, conseguir jantar numa quase tasca a preços que rondam a dívida externa da polónia.
Era para não ser nada daquilo, quando entraram num bar sem grande graça e fizeram um memorável número vocal com um amigo que sabe sempre ser o mais correcto dos amigos, no melhor e mais adequado dos momentos.
Era para não ser nada daquilo quando, no Lux, e sempre acompanhadas da sua flut, transitavam do house progressivo para o revival do disco sound como se fossem uma e a mesma sonoridade e como se, nunca na vida, tivessem ouvido outras batidas.
Era para não ser nada daquilo, quando o sol nasceu, para mais um dia, e perceberam, todas, que enquanto fosse tudo aquilo, e estivessem lá, cada uma delas, nada poderia correr (realmente) mal.
Ainda bem que foi.

Não perguntem porquê. E queiram, por favor, desconsiderar as legendas.*

[Stevie Wonder - Live in Madrid 1995 - Isn't she lovely]

* Esqueçam lá isso. Afinal, as legendas são ainda melhores do que a música.

Para que fique claro

Os finais felizes acontecem (é, pelo menos, o que me garantem peritos mais empiricamente versados sobre o assunto). Facto notório é que não dão boas histórias e, por isso, são, como exercício teórico, absolutamente desprovidos de interesse para os padrões de exigência desta casa. Sobre o tédio como matéria-prima, queira, por favor, o leitor mais ansioso, buscar, nos escaparates das melhores livrarias, qualquer publicação da Sr.ª D. Lídia Jorge.
Obrigada

Perfil do investidor - Conservador [prospecto completo]*

[Il Gattopardo - 1963]

* Carteira composta por uma pool de acções de grupos empresariais sólidos de países europeus e da América do norte adequada para investidores que busquem um potencial de retorno fixo a longo prazo através do investimento em activos relativamente imunes às flutuações do respectivo mercado.

Perfil do investidor - Agressivo [prospecto completo]*

[Dangerous Liaisons - 1988]
* Carteira composta por uma pool de acções de grupos empresariais de países em vias de desenvolvimento ou mercados emergentes adequada para investidores que busquem um elevado potencial de retorno em troca do investimento em activos particularmente vulneráveis às flutuações do respectivo mercado.

sexta-feira, maio 25, 2007

A cada uma, a guilhotina que merece. E o esquecimento.



[What Ever Happened?, The Strokes]

António e Mariana conheceram-se no lançamento de um livro de um amigo comum. Cedo identificaram interesses comuns e se uniram numa longa conversa que terminou com um jantar nessa mesma noite. Namoraram durante alguns meses, partilhando leituras, concertos e discussões políticas que fluíam noite dentro. Ao fim de algum tempo, perceberam que, apesar das afinidades, nunca seriam felizes juntos. O namoro acabou, procedeu-se à devolução dos livros e cds deixados na casa do outro, das roupas esquecidas na máquina de lavar. Decididos a evitar reencontros forçados e desconfortáveis dividiram a cidade ao meio, negociaram a custódia de livrarias e restaurantes. Cada um deles teria direito às livrarias mais próximas das respectivas casas e local de trabalho e a Fnac do Chiado — a preferida de ambos — seria alvo de tutela repartida cabendo a Mariana o turno de dia e a António o pós laboral. Tinham regulado o poder sobre Lisboa e evitaram-se, com sucesso, durante pouco mais de seis meses.
Esbarraram um no outro, por acaso, numa livraria em Paris — lutavam pelo único exemplar disponível de um Stendhal, que ele, como um cavalheiro, lhe cedeu — reconheceram, naqueles minutos, os traços que, a início, os aproximaram. E seguiram, separados, depois de assegurarem — seguindo com os dedos os trajectos solitários planeados, no mapa de cada um, para os próximos dias — que não se tornariam a cruzar.

quarta-feira, maio 23, 2007

Breve história d'O Homem Que Se Rejeitou A Si Próprio

A caminho do fim da noite, num bar da moda, ela esperava, sozinha, o regresso de um amigo que a tinha deixado por breves momentos.

[Ele] – Olá.
[Ela] – (Preparava-se para responder, quando percebeu que não iria a tempo. Limitou-se a levantar os olhos do copo).
[Ele] – Não precisas de dizer nada. Eu sei no que estás a pensar. (E prepara-se para começar um monólogo, fazendo as vezes dela).
[Ela] – (Em silêncio, com semblante a transitar do entediado para o aturdido).
[Ele] – (Começa a declamar, em discurso directo, como se estivesse dentro da cabeça da menina à sua frente): Mas o que é que este palerma quer? Está uma miúda aqui, sossegada, à espera do outro — que por acaso não é meu namorado, mas esta criatura nem tem como saber isso— que foi à casa de banho (que sentido de oportunidade atroz, devo dizer) e vem um tipo qualquer perturbar-lhe o sossego e as contas de cabeça que fazia à vida. (interrompe e observa-a).
[Ela] – (entre o silêncio boquiaberto e a mudez divertida).
[Ele] – (Prossegue) Como se não bastasse o topete, não é nada de jeito. Está bem que é alto, mas já vi tipos com melhor aspecto. Não se coaduna com os meus padrões estéticos, mais virados, a bem da verdade, para o look beto surfista. Que maçada! Logo agora que eu estava a tentar decidir qual daqueles dois pares de sapatos que vi esta tarde é que devo comprar... Se calhar devia comprar ambos, afinal um dia não são dias. E este tipo que não se vai embora? Está bem que não é repelente, mas será que não percebe que se eu quisesse companhia já teria sequer esboçado um sorriso, por mais pequeno que fosse?
[Ela] – (ainda em silêncio, fixando as pedras de gelo do whisky).
[Ele] – (mantendo o ritmo) Se calhar é maluco. A mim calha-me toda a espécie de malucos. Já não se pode estar, calmamente, em lado algum, e vem logo um pateta destes abordar-nos. Se ao menos ele tivesse graça...Espero que não seja um tarado. Não, não tem ar disso... E daí não sei, nos dias que correm há de tudo. Que inferno! E o G. que não volta... Será que devo dizer alguma coisa? Talvez gritar-lhe... Não, também não é assim tão mau. Pode ser que se eu ficar muito quietinha ele se vá embora.
[Ela] – (Silêncio).
[Ele] – Muito bem. O seu amigo está a voltar e eu sou o André e queria agradecer-lhe a simpática oportunidade que me proporcionou de dar mais esta tampa a mim mesmo. Foi um prazer falar por si. Boa noite.

Ele afasta-se, o amigo dela regressa e leva-a embora para a vida lá fora.

Isto, caro leitor, não é ficção, mas sim a linha de engate mais bem conseguida da história da humanidade. E, como estas coisas são, a bem da verdade, como a patinagem artística, apesar da visível insuficiência ao nível técnico, o jovem André — nome fictício, bom de ver — merece não menos que 17 de nota artística. Porque, afinal, andamos cá para nos irmos entretendo uns aos outros.

Dizeres à porta de um prédio que deviam estar à porta de algumas vidas.

(i) Publicidade não solicitada, aqui não.
(ii) Por favor, à saída, feche a porta devagar.
Ou como começar e acabar relações afectivas respeitando princípios básicos de comportamento em sociedade.

terça-feira, maio 22, 2007

Como eles: erraremos até estarmos certos.



[Nouvelle Vague - Dance With Me]

O sono dos cépticos (2)


Algumas pessoas não fazem mais nem menos do que esperamos delas. Fazem o pior.

O sono dos cépticos

Por natureza -- e definição-- o céptico não acredita no próximo. Nem no que o tenha precedido. Ou melhor, o céptico acredita que todos eles mentem, mentiram ou mentirão. A todo o momento. Almas menos avisadas nestas andanças dirão que a vida do céptico carece de sossego. Que, não se fiando sequer na sua sombra, nunca o céptico se deixará dormir no morno regaço da confiança e intimidade.
Não é verdade. O céptico tem uma vida mais descansada do que o crédulo, por variadas razões: primeiro, porque desconfiando de toda a gente, não se vê obrigado a empreender a árdua e pouco grata tarefa de distinguir aqueles em quem pode daqueles em quem não pode confiar e, em segundo lugar, porque, não esperando nada do seu semelhante, dificilmente verá defraudadas as suas expectativas, acolhendo com agradável surpresa qualquer manifestação de humanidade valorativamente mais acertada.
Dito isto, se conclui facilmente que o sono do céptico é mais profundo, mais descansado: Convencido da maldade (ou da falta de bondade) dos que o rodeiam entrega ao acaso e à aleatoriedade a tutela dos seus bens morais e materiais ao invés de passar a vida num afinal desiludido frenesi para encontrar inexpugnáveis guardiães das suas virtudes.

segunda-feira, maio 21, 2007

Princípio do trato sucessivo

Desta vez, para não maçar o leitor, esclarecemos apenas que o instituto jurídico acima referenciado não acolhe, com rigor, as situações de facto que serão tratadas infra, mas a exposição carecia de título e este, que nos martelava o espírito há vários dias, é tão apropriado como outro qualquer.

Definições: para os devidos efeitos considera-se
(i) ex-contraente: aquele que foi parte na relação gorada bem como qualquer seu ascendente, descendente ou colateral em primeiro e segundo grau;
(ii) bairro: a freguesia onde habita a outra parte ou qualquer das freguesias que lhe sejam contíguas;
(ii) legitimidade residencial: direito a frequentar e escolher os cafés do bairro, os restaurantes, a tabacaria e os supermercados.

(1) Quando, terminada uma relação, uma das partes adquire habitação própria, mandam as regras de decoro que o outro ex-contraente se iniba de adquirir habitação no mesmo bairro.

(2) Quando se verificar que a parte adquirente logrou comprar habitação onde já residia ascendente, descendente ou colateral em primeiro ou segundo grau da contraparte, releva, para efeitos de atribuição da legitimidade residencial, a boa fé do adquirente, ou seja, se este sabia ou não podia, à data da compra, ignorar, da precedência habitacional daquele(s).

(3) Não obstante o disposto nos números anteriores, quando uma das partes tenha, naquele bairro, a sua residência habitual e a outra não, cabem à primeira todos os direitos decorrentes da legitimidade residencial.

Posto isto, determina o bom senso jurídico que, either ways, da Estrela até ao Rato: I win, you lose.

Para colar na porta do frigorífico

Toda, mas mesmo toda (sim, so far, estes 15 postes) a série sobre infidelidade, do Vasco, no Memória Inventada.

Classificados

Procura-se link para a gravação disponível online do programa "Portugal de" no qual Rui Ramos entrevista Miguel Esteves Cardoso. Respostas ao e-mail acima. Recompensa para a resposta mais rápida e eficiente. Antecipadamente gratos,
A gerência.

Adenda (pouco mais de duas horas depois do pedido de ajuda): esta casa está penhoradamente grata ao Tiago Galvão que nos fez chegar a companhia para um agradável serão.

Caro diario

Supresa de Sábado à noite: uma brisa demasiado fresca para o Verão que já espreitava, e Nanni Moretti, na :2, com Keith Jarret na banda sonora.

domingo, maio 20, 2007

Porque as mulheres percebem mais de futebol do que parece (2)

Só porque é matematicamente possível, não significa que possa mesmo acontecer.

Esta sim, em homenagem ao queridíssimo Tiago Galvão, que não gosta de ser menino.

Luísa


[ Luíza, Tom Jobim ]

Luísa (nome fictício) foi minha colega de faculdade. Fazia parte daquele grupo de pessoas que se sentava na fila da frente das aulas teóricas tirando notas a um ritmo quase violento. Tinha um estilo entre o anacrónico e o rudimentar, trajando num meio caminho entre uma recém-admitida ao noviciado e uma menopáusica dos subúrbios. Acho que só no último ano da licenciatura troquei algumas palavras com Luísa, que me olhava sempre entre a reprovação e o deslumbramento por um mundo distante. Não eram assim tantas as coisas que nos separavam, mas, a Luísa, incomodava visivelmente a questão formal: não tolerava o sarcasmo (que sentia como agressão pessoal) e não compreendia a ironia. Luísa achava as figuras de estilo uma futilidade desnecessária e embora concedesse da sua utilidade na literatura, na vida pareciam-lhe intolerável esbanjamento de recursos.
Apesar do fosso, acabei por manter com Luísa uma relação cordial, um pouco como a de duas criaturas de espécies de tal maneira distintas que sentem necessidade de manter um mínimo de proximidade para se estudarem mutuamente.
Tinha, naquela altura, a certeza que Luísa ¬— beata e ingénua — era virgem, tal como hoje tenho a certeza que não conheceu nenhum homem senão o seu marido, Joel.
Há cerca de 6 meses encontrei Luísa na rua. Tinham passado 4 anos desde o último almoço que reuniu vários ex-colegas. Comunicou-me, com o sorriso das mulheres libertadas do peso da virgindade tardia, que tinha acabado de casar. Que Joel, militar, era um homem bom e trabalhador, um óptimo companheiro e que estava feliz na sua nova condição. Depois de ver respondida a pergunta da praxe sobre a minha vida, olhou-me com o ar maternal das senhoras casadas e disse-me, em tom de confidência cúmplice, que eu devia casar “porque, depois de casar, tem-se sempre companhia, nunca mais estamos sozinhos”.
Despedi-me com sinceros desejos de vida longa e feliz para Luísa e seu Joel. E vim, pelo caminho, a pensar naquela miúda, da minha idade, que, comunicando ao mundo o seu enlace para a vida, nem por um momento usou o verbo amar (o outro), estar (apaixonado), gostar (do Joel), mas sempre se fixou na bondade e na companhia. Para Luísa, casar foi envolver-se num abraço morno que lhe trouxe os prazeres antes vedados. Para bem (e para mal) de Luísa não creio que ela alguma vez vá sentir (por e com Joel) aquela necessidade animal de amar e ferir o outro, na mesma exacta medida, que traz tanto de prazer como de doença a uma relação. Não creio que vá saborear a urgência agressiva do corpo do outro e até da sua crueldade, de amar com despeito pela necessidade que dele se tem como se fosse ar que nos falta. Não creio, sequer, que vá sentir a saciedade da batalha vencida ou a resignação amarga das feridas curadas depois de cada queda. Mas será feliz, Luísa, na doçura tépida da companhia proporcionada pelo seu bom homem. Abençoada Luísa, tão mais feliz e realista no desconhecimento e ausência do egoísmo predatório.

Noite no Museu

Depois da cerejas ao almoço e do calor colonial que atravessou Lisboa durante toda a Sexta-feira, contava passar a noite num socialmente deprimente mas absolutamente necessário e merecido repouso que implicava o test drive de todas as cadeiras da casa e a exclusiva dedicação à coluna de livros que vem crescendo, em tom ameaçador, na mesa de cabeceira à direita da cama.
Às 22:00, recebo ordem de marcha de amigos que estavam já quase à porta de casa, com indicações expressas quanto a um dress code casual chic (o que, basicamente, significa usar o que se quiser desde que nos dê um ar cool e nos faça parecer ter menos 5 anos do que na verdade temos) que me apressei a respeitar.
O destino final era a festa nos jardins do Museu Nacional de Arte Antiga. Um dos sítios mais simpáticos para se almoçar em Lisboa (aquela esplanada) com vista sobre o Tejo como se de um majestoso navio encalhado de tratasse. Longe dos painéis de São Vicente, adormecidos numa das salas do maravilhoso edifício, cá fora ecoavam os Depeche Mode, The Gossip, The Strokes e Michael Jackson dos primeiros tempos.
Foi, no que me diz respeito, declarada a abertura oficial do Verão. Tenho de me lembrar de guardar aquele vestido vermelho e branco já que, ao longo da noite, todos os recém-conhecidos me perguntavam que curso é que eu estava a tirar. Estava gira, a festa.

sexta-feira, maio 18, 2007

Coisas que melhoram algumas manhãs



[Playhouses, Tv on the radio]

quinta-feira, maio 17, 2007

Porque as mulheres percebem mais de futebol do que parece

Como num jogo de futebol entre equipas mais ou menos equilibradas no que às valias de cada uma diga respeito. O colectivo de ambos os lados, espalhado pelo terreno, encaixa perfeitamente entre si e impede que o jogo produza grande espectáculo do ponto de vista estético. Graças a um ou dois rasgos de brilhantismo individual, uma das equipas adianta-se no marcador. Como qualquer vencedor, relaxa um pouco, tenta gerir o resultado limitando-se a minorar as investidas do outro. Achando-se confortável na aparentemente não magra vantagem prefere não atacar — o que se percebe, porque implicaria deixar a defesa mais desprotegida — e responder, apenas, quando oportuno.
Todos sabemos que, em matéria de champions league, gerir resultados raramente traz resultados. O adversário que começou a perder, ferido mas não morto, levanta-se na sua réstia de força e raça, e começa a encostar o outro ao seu meio campo. Galgando o relvado que parece oferecer os quilómetros de dunas num deserto, começa por diminuir a desvantagem e permite-se levantar a cabeça esperançado; depois de empatar e restaurar a injusta desigualdade — porque só no fim se mostra o melhor que uma casa tem para dar — põe em prática a jogada estudada, preparada ao milímetro, numa espécie de coreografia ensaiada vezes sem conta em que cada um dos intervenientes sabe rigorosamente o que tem de fazer. E marca. Deixando o guarda-redes do outro lado colado ao relvado e as bancadas em delírio. Isto, caro leitor, é espectáculo e a razão pela qual se vai a jogo.
Moral da história: macem-me, mas não me subestimem.

quarta-feira, maio 16, 2007

It takes one to know one


terça-feira, maio 15, 2007

A única coisa que me irrita nos meus amigos misóginos é que, às vezes, resolvam tratar-me como uma mulher.

Stomping [To tread or trample heavily or violently]



[Louis Armstrong - Stompin' at the savoy]*

* Por favor, atentem no baterista.

Malas feitas


Os nossos dias são feitos de chegadas, de abandonos e regressos. Como um cais de embarque dos comboios antigos em noites de nevoeiro, quando as pessoas ainda usavam capas e chapéus para viajar. As chegadas são sempre expectativa e novidade e medo e vontade (as que não são só enfado, mas dessas nem vale a pena falar) os abandonos são angústia e amargura e tristeza e saudade e uma pontinha de esperança ou libertação (mesmo que não se queira), e os regressos… Os regressos são apaziguamento, glória, consolo no fracasso.
Em todos estes momentos já encontrei felicidade, vendo chegar um desconhecido que se tornou gente minha ou partir um conhecido que se revelou má gente, mas raras, muito raras vezes, experimentei o calor que só se sente com os regressos, com a noção do preenchimento dos espaços vazios, com a recolocação do universo na sua devida ordem. O conforto morno e a felicidade (que tem um bocadinho do travo doce do fumo de um bom cachimbo) do regresso — aos nossos lugares e daqueles de quem gostamos que vimos partir — é a única coisa capaz de superar a alegria de nos vermos ser abandonados por uma companhia inútil ou indesejada.

segunda-feira, maio 14, 2007

Nip/Tuck

Conversa tida com ela ainda deitada na cama, coberta pelo lençol emaranhado. Ele, vestindo as calças, vocifera impropriedades sobre as hesitações dela quanto à natureza daquela relação. Confrontada com a vulgaridade da linguagem do amante, Julia declara, altiva:
- I preferred you with your fake British accent. At least you sounded more polite.

Frank Sinatra morreu em 14 de Maio de 1998. Mas deixou-nos o seu mundo. Este feito de irrepreensíveis Smokings, melodias tépidas esculpidas à medida para dias frios, cocktails e cigarros, tacos de baseball e piscadelas de olho irresistíveis.

Sedução, para quem soube ler nas entrelinhas, é o maior legado de Sinatra a um mundo que não merece homens tão arrevesadamente bons e não está preparado para homens tão deliciosamente maus.

sexta-feira, maio 11, 2007

Memo toself: comprar meias anti-derrapantes

Travou as mais duras batalhas em frentes diversas. Resistiu a tempestades que prenunciavam o fim do (seu) mundo. Lutou bravamente reconstruindo-se a cada derrota, olhou a adversidade, todos os dias, em tom de desafio. O estorvo, a transposição do estorvo, a subjugação do estorvo eram, por defeito, a sua forma mais plena de recreação. De todas as quedas fez adágio e recomeço. Um dia foi vencida por um chão encerado de fresco. Pode sobreviver-se altivamente ao fracasso mas não é fácil manter dignidade no ridículo.

Para quem não acredita na salvação e precisa muito de Clonix.



Roubado daqui.Porque há criaturas que nos fazem bem mesmo quando não tentam.

quinta-feira, maio 10, 2007

Não viveremos nunca a vida das mortes serenas



[The Common People, Pulp]

Thinking Blogger Award - Adenda

O Lourenço abespinhou-se e com alguma razão. Quando continuei a cadeia de Santo António dos "Thinking Blogger Award" incluí o Complexidade e Contradição na lista dos meus eleitos naquele que, aparentemente, parece um quinto lugar. Ora, meu caro Lourenço, os números que foram colocados à frente de cada blogue serviam apenas para enumeração (mania da casa) e não para qualificação ou estratificação de escolhas. A construção teórica de um critério diferenciador - aplicável a toda a blogosfera - e que permita determinar claramente quais os blogues que, em rigor, fazem pensar mais, seria tarefa morosa e apenas acessível a quem tivesse uma vida ainda mais solitária e socialmente deprimente do que a desta que se assina. Posto isto, e esclarecida a utilidade meramente enumerativa dos algarismos, subscrevo-me, aguardando que o Lourenço não se indigne - recorrendo, consequentemente, às instâncias competentes e aos procedimentos legais adequados - com o facto de partilharmos as mesmas iniciais.

quarta-feira, maio 09, 2007

Aquela relação era tão crua que se podia comer com pauzinhos e molho de soja.

Thinking Blogger Award

Esta rapaziada teve e gentileza de destacar esta humilde casa como um dos "5 blogs that make me think". Honrada, agradeço, e, se bem percebo, faço mesmo exercício passando a bola aos próximos.
Excluo, naturalmente, as minhas outras casas (e aquela que, acima, me distingiu) e sigo com as minha escolhas de gente (apenas 5 dos muitos) que, escrevendo, me dá que pensar:

terça-feira, maio 08, 2007

Porque, felizmente, o futuro aceita Visa



[Can´t buy me love, The Beatles]

Da aplicabilidade da dialéctica a conversas de café

[Ele] – Apre...! Que mau génio, esse teu.
[Ela] – Isso não é bem assim. Da primeira vez eu não tive culpa, da segunda foi praticamente inevitável.
[Ele] – Dás duas bordoadas, em dois tipos diferentes, dignas de os deitar ao chão, num espaço de 24 horas, e queres convencer-me de que não houve nem um bocadinho de animus?
[Ela] – Vê as coisas desta maneira: no caso de A eu nem sabia que estava a fazer uma maldade, na verdade, só percebi depois; E no caso de B, pôs-se tão a jeito que até uma criança de 5 anos teria feito o mesmo.
[Ele] - estás a tentar dizer-me que a maldade não existe objectivamente, que um acto não é mau em si mesmo, se não existir uma componente volitiva? Tu humilhaste-o categoricamente.
[Ela] – Eu não tinha como saber que aquilo era verdade. Fiz um juízo abstracto sobre factos desconexos, e, quando me apercebi, tudo aquilo pareciam setas teleguiadas.
[Ele] – E B? Era preciso responder daquela maneira? Tens a capacidade diplomática de um cacto e a ponderação de um elefante com fome.
[Ela] – Sabes bem que não tolero incompetentes…B tentou ser mau, mas foi ineficaz. Um pulha não pode dar-se ao luxo da ineficácia, e eu, a bem da verdade, até lhe fiz um favor. Da próxima vez ele vai, certamente, pensar num plano mais elaborado, proteger melhor os flancos.
[Ele] – És um caso perdido. Estás a tentar convencer-me que, no primeiro caso, por não ter sido propositado, o teu acto não pode ser ajuizado valorativamente, e que, no segundo, acabaste por prestar, a longo prazo, um serviço ao lesado. Com jeito, convences o primeiro a pedir-te desculpas por ter estado no teu caminho e o segundo a agradecer-te pela lição de vida.
[Ela] - Se não se importarem, era simpático.

Na Jukebox Mental

Standing in the way of control, The Gossip. Ou o início de uma nova era.

not all, but somethings about f. (and me)

Eu reagi ao simpático elogio da f., e agora respondo à não menos simpática provocação:

Aquilo que a f. chama um "bocadinho de modéstia a mais" decorre de um exercício diário que faço de não me levar demasiado a sério. O mundo, pelo menos aquele onde me movimento, está cheio de gente que se leva a sério (uns com mais, outros com menos razões para isso, outros sem razão nenhuma, Deus bem sabe) e isso é uma maçada. Não me levar muito a sério não é modéstia ou auto-castração infligida primariamente por um mundo machista, é apenas um luxo que me permito para manter alguma (pouquíssima) sanidade mental.

No mais, a f. não me conhecendo - e, desse ponto de vista, já vi que temos um longo e agradável caminho a percorrer - não é obrigada a conhecer a minha relação com (1) as mulheres; (2) os blogues e (3) o elogio na divergência de opinião (ou outro).
Começando pelo fim:
(2 & 3) Não achando eu que o mundo gira em torno do meu teimoso umbigo, é natural que me tenha surpreendido com o elogio da f., porque este blogue, de onde lhe escrevo, tem um número limitado e fiel de visitantes que abarca uma faixa considerável de solteiros misantropos deprimidos e amargos. Felizmente, desses outros, não faltam generosos elogios. Nem tão pouco "a inversa seria verdadeira". Imodestamente lhe afirmo que aprendi a viver na biodiversidade ideológica e que, nos dias que correm, é mais frequente ter dificuldade em encontrar razões para elogiar pessoas com quem, à partida, e por princípio, concordaria (sobretudo pela forma lamentável como formulam as suas ideias) do que a f. ou qualquer outro nos antípodas dos meus valores (desde que saibam o que e como estão a dizer). Nos blogues, tal como a f., leio tudo aquilo de que gosto, sem filtro que não a minha sensibilidade gramatical e noção de decoro. Até o maradona, apesar da minha lacuna de formação no que às idiossincrasias maradonianas diga respeito, (quando não fala 3 dias seguidos de futebol) porque aí, confesso - e embora o tema me seja caro- maça-me um bocadinho.
(1) A f., para não ser tida por provocadora, não me acusa de ter o meu quê de homofóbica (coisa que agradeço). Mas devo - não me defendendo porque não fui acusada - afirmar tranquilamente que não padeço do sentimento de repulsa pelos meus semelhantes. Só não acho que é que 90% das mulheres com quem me cruzo diariamente (nos blogues ou na vida) o sejam. Não porque me ache melhor que umas (nos mais das vezes sou pior que outras), mas apenas porque não me revejo naquele planeta, naqueles assuntos, naqueles interesses e vontades. Dir-me-á a f., e, se calhar, com razão, que ando a conhecer as mulheres erradas? Concedo, mas, como deve imaginar, o tempo é cada vez mais escasso e uso o meu para procurar as coisas que realmente me façam falta. Além disso, e recorrendo a um lugar comum que ainda ninguém conseguiu desmentir, é ponto assente que as mulheres são as maiores praticantes e impulsionadoras da misoginia. As mulheres acreditam na lógica de dividir para reinar e, confesso-lhe, nessas coisas, aprecio mais a subtileza napolitana dos tacos de baseball e rótulas partidas. É nessa medida que, em geral, acredito pouco nas mulheres, mas, em especial, sou caninamente leal àquelas que me provam a excepção da regra.

segunda-feira, maio 07, 2007

Do pátio do Liceu - o cantinho dos crescidos

A terceira coisa melhor dos blogues é, em última análise, como diria o meu amigo PPM, que as coisas deixam de ser apenas uma questão de ideologia e passam a ser, sobretudo, uma questão de bom gosto (e eu acrescentaria o bom senso). Note-se que o facto de alguém ler aquilo que eu escrevo não é sinal de bom gosto (e muito menos de bom senso), mas apenas um exercício de auto-flagelação que alguns (a quem, desde já, agradeço) têm por adequado como caminho para a redenção.
O elogio da f. — tão surpreendente quanto exagerado — só vem provar que: (i) a regra de que as mulheres são incapazes de reconhecer qualidades umas às outras tem excepções; (ii) ainda que se esteja do lado oposto das trincheiras (como foi o nosso caso no aborto, e decerto em muitas outras questões) não deixamos de conseguir olhar para além da soleira da porta lá de casa e (iii) quando nos identificamos com um registo de escrita, não tem de se concordar com tudo o que lá esteja para se gostar.
Embora, às vezes, nos deixe doentes e com formigueiro nos dedos, nesta casa gostamos de ler a f., nem que seja para discordar. Obrigada, então.

Uma recensão emocional

A meio do livro que ocupa o topo da minha lista de prioridades na pilha da cabeceira - Glória, do incomparável VPV - percebo algumas coisas sobre a vida:
(a) já me cruzei com, pelo menos, um Vieira de Castro;
(b) O que perde homens assim não é serem crápulas (porque, na verdade, nem o são), é serem tolos inteligentes (enganam-se os que acham que as duas características são incompatíveis)deslumbrados com eles mesmos;
(c) temo que, quando acabar de ler o livro, dou por mim a achar que corria o risco de acabar casada com um assim.

Momento "eu também tenho direito de me comportar como se tivesse 15 anos" desta semana



Porque bastaram 3 horas com os pés fora da cama para perceber que vem aí uma semaninha de estalo.

quinta-feira, maio 03, 2007

My funny Valentine V

Não chorava há muitos meses. Não porque achasse essa uma manifestação pirotécnica e desnecessária de sentimentos mas porque era um alívio e ocasional alheamento nunca permitidos por aquele espírito. Ouviu as crueldades, as simpatias, as declarações de amor, as muitas mentiras nas quais deixou que pensassem que acreditava, viu construir-se a felicidade efémera e destruir-se verdadeira depois. Perdeu e recuperou mais tarde alguns dos que amava enquanto via seguir outros sem que os tenha podido demover. Tudo sem uma gota daquela solução salina morna e libertadora. Tinha a cara tão fria como algumas partes do resto que insistiam apontar-lhe como a causa do fracasso de ambos que sempre seria só dela. Um dia, por nada, agarrada a um livro cuja história não lhe passava sequer na periferia da alma sentiu um calor cortante e os olhos opacos enublados vomitaram lágrimas durante horas. E depois disso? Ficou tudo na mesma.

Em baixo, clicar para ouvir toda uma vida.

Todas as respostas que buscavas. Na voz dela.



[Sarah Vaughan, You're not the kind]

quarta-feira, maio 02, 2007

Nos quotidianos exercícios de linguagem servimo-nos, com frequência, da enumeração. Por minúcia, método organizativo, ou obsessão-compulsão, enunciamos uma a uma as partes de um todo. Não é, todavia, raro que se veja um autor servir-se do primeiro número sem que este venha, depois, a ser secundado por elementos adicionais. Quantas vezes vemos um “primeiro” fragmento discursivo que — como aqueles que insistem nos irritantes beijinhos siameses na face (que obrigam ao dispensável e pouco prático jogo de narizes) — fica ali, pendurado e sem par?
Na maioria dos casos creio que o autor achava, genuinamente, que o primeiro corpo seria seguido, pelo menos, de um segundo e este, eventualmente, de um terceiro (e por aí fora). Mais do que de matemática, uma questão de optimismo. Afinal, quando falamos do nosso primeiro amor, quantos de nós tem algo mais definitivo ou inilidível do que a mera esperança que tudo aquilo se vá repetir (uma ou mais vezes)?

Entretanto, na mesa ao lado

[O empregado] - E que chá é que vai querer?
[A menina ] - Que chás é que tem?
[O empregado] - (resposta impossível de perceber)
[A menina] - Pode ser. Mas agradecia, se possível, que não me passasse nenhuma doença sexualmente transmissível.

Porque lá fora chove e aqui está cinzento



[Lullaby of Birdland, Peggy Lee and George Shearing]

terça-feira, maio 01, 2007

Dos clássicos


Num mundo ideal (para outros), sem lugar para a maldade e para o cinismo, isto de que vos vou falar agora não existe.
Imaginem o que é passar os dias como se fossem um taxista Argentino recém-chegado à Bélgica. Que nunca tiveram uma aula de Francês (ou Flamengo). Que passam os dias a divagar por caminhos desconhecidos, entre o sinuoso e o monocromático. Que, recorrentemente, dão por vós a fazer um esforço entre inútil e o propositada e orgulhosamente desajeitado para se fazerem perceber e para descortinar o que os outros vos queiram transmitir. Tudo isto, com raras excepções, resulta, amiúde, em desencontros, gafes, mal entendidos, surdez crónica e um alheamento desinteressado em relação ao um mundo que insiste em continuar sem nós. E agora imaginem a alegria confortada e estarrecida de ver entrar nesse táxi ordeiro e burocrático alguém que não só fala o mesmo dialecto espanhol que se ouvia na nossa distante aldeia natal mas que, além de tudo, conhece os nossos caminhos.
Ao que acontece, neste momento que descrevi, chama-se reconhecimento. A isto, amadurecido pelo respeito e admiração mútuas e temperado com uma cumplicidade cruel e uma sinceridade provocadora, chama-se amizade. Porque, aos 75 anos, é uma maçada até que se encontre alguém com quem se queira partilhar a mesma frisa para assistir ao passar dos dias. Obrigada.