Não chorava há muitos meses. Não porque achasse essa uma manifestação pirotécnica e desnecessária de sentimentos mas porque era um alívio e ocasional alheamento nunca permitidos por aquele espírito. Ouviu as crueldades, as simpatias, as declarações de amor, as muitas mentiras nas quais deixou que pensassem que acreditava, viu construir-se a felicidade efémera e destruir-se verdadeira depois. Perdeu e recuperou mais tarde alguns dos que amava enquanto via seguir outros sem que os tenha podido demover. Tudo sem uma gota daquela solução salina morna e libertadora. Tinha a cara tão fria como algumas partes do resto que insistiam apontar-lhe como a causa do fracasso de ambos que sempre seria só dela. Um dia, por nada, agarrada a um livro cuja história não lhe passava sequer na periferia da alma sentiu um calor cortante e os olhos opacos enublados vomitaram lágrimas durante horas. E depois disso? Ficou tudo na mesma.
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