Mel Com Cicuta 

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room.

 

William Hazlitt  
      

   

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My funny Valentine IV

Chovia como se o mundo fosse acabar. Ela tinha desistido de correr ou de esperar, abrigada, que a violenta chuvada passasse. Estava encharcada e tudo se resolveria em casa, dali a 100 metros, com um banho quente que lhe levasse o frio da chuva e o desalento da semana.
Passava da uma da manhã e cruzava aquele caminho tão comummente animado, durante os dias, pela rotina do bairro. Constantemente enganada por uma miopia que teima em não resolver, só o reconheceu quando ele já estava demasiado perto. Passeava o cão que a reconheceu imediatamente e lhe foi lamber as mãos enquanto ela lhe fazia festas. O cheiro dela era-lhe familiar, mesmo tendo mudado o perfume a que ele (e o cão) estavam tão habituados. Lembrou-se das vezes em que, deixando-o adormecido na cama ia para a varanda ver o mar e beber o chá preto que ele , sem nunca admitir, só mantinha na despensa por causa daquela hóspede ocasional. E tantas dessas vezes, aquele simpático animal lhe tinha ido aquecer os pés descalços, sentando-se aos seus pés naquela varanda que emoldurava o mar deles.
Olharam-se com a falta de à vontade de dois estranhos que acordam juntos. Fizeram perguntas de circunstância sobre as famílias, os trabalhos, e os (poucos) amigos comuns. A chuva tinha parado. Ela continuava encharcada e ele não estava muito melhor. Ela sabia que era uma questão tempo até que o joelho doente dele começasse a ressentir-se daquela chuvada e o deixasse bastante limitado e indisposto durante uns dias. Era a segunda vez que partilhavam uma tempestade embora tenham vivido muitas outras. Lembraram-se, sem que disso tenham falado, de uma tarde muito chuvosa de um Outubro distante em que tinham decidido ser felizes. Nunca chegaram a concretizar esse plano notoriamente megalómano.
Ele iniciou uma conversa sobre a última vez que se tinham visto. Balbuciou umas reprovações, umas desculpas inquisidoras em tom doce. Ela deixou de o ouvir. O telefone providencialmente tocou. Despediu-se desajeitadamente e correu fugindo de uma chuva que já não caía. Entrou em casa e deixou-se ficar sentada no soalho quente com as roupas encharcadas. Fez chá preto.

Laura, portanto... O mundo é estranha e perigosamente pequeno.
o mundo é, de facto, uma ervilha. Mas, neste caso, ainda não sei bem porquê.
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