Ontem, em horário social (Cartas do leitor)
Nota prévia:
(i) Paulo: porque não acredito no amor incondicional (a nossa velha e titânica luta ideológica), isso não significa que não acredite no amor em si. Concordo que o casamento não será um preenchimento de lacunas. Aliás, não conheço maior prova de amor do que abdicar de tentar mudar o outro, moldá-lo à forma dos nossos desejos e inquietações. A tentativa, quase inconsciente, de transformar o objecto amado num outro que reflicta todas as características dos objectos que sempre desejámos faz parte da natureza humana (confesso, mesmo, que me parece ainda mais evidente como marca do carácter feminino). Por isso acho que amar é aceitar o outro, sem mais. Não falo de curvar-se cegamente às suas vontades, mas querer viver com todas as características daquele “eu” de outra pessoa com quem equacionamos querer um “nós”. Os divórcios são, em muitos casos, inevitáveis porque com o passar dos anos nos apercebemos que os defeitos do outro, ao invés de se atenuarem pela nossa influência e incisão, vieram a agravar-se pelo sedimentar do seu carácter. Enquanto se casar sem aceitar o outro, mas na vã esperança de mudar nele aquilo que nos incomoda, como quando se compra uma casa velha para fazer obras até transformá-la num espaço confortável e que seja a imagem exterior de nós, não vejo grande futuro para uma instituição, na qual quero, cada vez mais, acreditar.
Mais do que uma questão de género, acho que a questão dos solteiros é um problema de objectivos e grau de exigência.
O que me irritou naquela conversa de café, para além daquela convicção paternalista e redutora de que eu precisaria de alguém para me proteger no caminho para casa (que era a poucos metros dali) é perceber que milhares de anos depois, para alguns seres iluminados, continuamos na divisão de tarefas entre limpar a caverna e caçar elefantes — e para este, em particular, estava muito claro a quem cabia fazer o quê. Não me chocam os homens conservadores, mas não suporto os que têm horizontes limitados, na sua visão do mundo e na visão que têm do mundo dos outros.
Não ter casado ou ter escolhido não casar, não implica, nem pode ser encarado como a evidência de uma qualquer lacuna nas faculdades de quem optou. A exigência na escolha, a ausência da procura cega, o estabelecer de outras prioridades é, para homens e mulheres, apenas outro caminho, que não tem, necessariamente, que ser percorrido na mais absoluta solidão e miséria emocional.