Mel Com Cicuta 

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room.

 

William Hazlitt  
      

   

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Ontem, em horário social (Cartas do leitor)

Em resposta aos comentários do Paulo, do Goldmundo e do Pedro Mexia, algumas clarificações e outros acrescentos:

Nota prévia:

(i) Paulo: porque não acredito no amor incondicional (a nossa velha e titânica luta ideológica), isso não significa que não acredite no amor em si. Concordo que o casamento não será um preenchimento de lacunas. Aliás, não conheço maior prova de amor do que abdicar de tentar mudar o outro, moldá-lo à forma dos nossos desejos e inquietações. A tentativa, quase inconsciente, de transformar o objecto amado num outro que reflicta todas as características dos objectos que sempre desejámos faz parte da natureza humana (confesso, mesmo, que me parece ainda mais evidente como marca do carácter feminino). Por isso acho que amar é aceitar o outro, sem mais. Não falo de curvar-se cegamente às suas vontades, mas querer viver com todas as características daquele “eu” de outra pessoa com quem equacionamos querer um “nós”. Os divórcios são, em muitos casos, inevitáveis porque com o passar dos anos nos apercebemos que os defeitos do outro, ao invés de se atenuarem pela nossa influência e incisão, vieram a agravar-se pelo sedimentar do seu carácter. Enquanto se casar sem aceitar o outro, mas na vã esperança de mudar nele aquilo que nos incomoda, como quando se compra uma casa velha para fazer obras até transformá-la num espaço confortável e que seja a imagem exterior de nós, não vejo grande futuro para uma instituição, na qual quero, cada vez mais, acreditar.
(ii) Goldmundo: amor e casamento não são, certamente, sinónimos e insistir na coincidência seria, no mínimo, o mais infrutífero exercício de autismo de que há memória. Contudo, não concebo que se decida casar sem ter certeza que se ama. Pode não se ter certeza de que se vai amar sempre, pode até, como diz o Paulo, ter-se o cuidado de querer prever como vai ser depois do fim. Mas, naquele momento, e quando se decide, necessariamente, dar um passo do “eu” em direcção ao “nós” temos de levar connosco a certeza de que o "nós" faz sentido, que é mais do que um estudo sociológico ou um proveitoso subterfúgio de planeamento fiscal (apesar de não haver nada mais fiscalmente ineficaz do que a pessoa singular, solteira, sem dependentes a seu cargo, que exerça uma profissão liberal, eu não desisto nem abdico do princípio de que, pelo menos na formulação da vontade primeira, amor e casamento são indissociáveis).
(iii) Caro Pedro Mexia, não podia discordar mais da sua teoria da “"dignified spinsters" do catano”. Os homens solteiros não são nem ficam uns coitadinhos. E nem tenho de recorrer ao lugar comum (que deve conhecer tão bem como eu) sobre como um homem de 35 anos é um Playboy, solteiro por opção (mesmo que ninguém se aproxime dele nem para perguntar as horas) e uma mulher nas mesmas condições é um ser vazio de felicidade, ferido da mais absoluta incompetência emocional.
Mais do que uma questão de género, acho que a questão dos solteiros é um problema de objectivos e grau de exigência.
O que me irritou naquela conversa de café, para além daquela convicção paternalista e redutora de que eu precisaria de alguém para me proteger no caminho para casa (que era a poucos metros dali) é perceber que milhares de anos depois, para alguns seres iluminados, continuamos na divisão de tarefas entre limpar a caverna e caçar elefantes — e para este, em particular, estava muito claro a quem cabia fazer o quê. Não me chocam os homens conservadores, mas não suporto os que têm horizontes limitados, na sua visão do mundo e na visão que têm do mundo dos outros.
Não ter casado ou ter escolhido não casar, não implica, nem pode ser encarado como a evidência de uma qualquer lacuna nas faculdades de quem optou. A exigência na escolha, a ausência da procura cega, o estabelecer de outras prioridades é, para homens e mulheres, apenas outro caminho, que não tem, necessariamente, que ser percorrido na mais absoluta solidão e miséria emocional.