Mel Com Cicuta 

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room.

 

William Hazlitt  
      

   

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Sucedâneos

Sucedâneo - substância que pode substituir outra

Tenho muito dificuldade em lidar com este conceito. Sobretudo, com a sua aplicação prática. Acho, sempre achei, que os sucedâneos só satisfazem quando (i) não se sabe bem o que se quer (e portanto, não se trata, de facto, de um sucedâneo porque não vem substituir algo que realmente se queria, mas apenas colmatar uma lacuna para cujo preenchimento não havia objecto definido) ou (ii) não se gosta realmente do que se diz que quer e, portanto, em bom rigor, tanto nos faz ser aquele ou outro o produto a consumir desde que, afinal, não se morra com a experiência.
Digamos que, quem consome ou se contenta com sucedâneos sofre, na minha humilde opinião, da síndrome do "To settle for less", que, confesso, ao longo destes 26 anos, me tem causado bastante aflição.
Vamos a exemplos práticos: Quando se gosta mesmo de manteiga, a ideia do pão ou torradas barrados em margarina não pode senão causar profunda náusea. O mesmo se diga quando se gosta (como eu) de chá preto Darjeeling e nos aparecem com a saqueta do chá preto ranhoso de proveniência não identificada.
Se o sucedâneo é a substância que pode substituir outra, então, logicamente, cabe a quem consome decidir o que é sucedâneo de quê, o que, necessariamente terá uma evolução de crescimento no sentido oposto ao do grau de exigência.
Ora, quem encontra muitos sucedâneos, satisfaz-se com coisas relativamente diferentes das que inicialmente procurava (porque não as encontrou ou não quis dar-se ao trabalho de procurar). Em bom rigor, quem aceita os sucedâneos padece — ou virá a padecer— da síndrome do "To settle for less".
"To settle for less", ou, em português “contentar-se com o menos” é, quanto a mim, uma praga pior que o gafanhoto ou as formigas que atacam todo o Campo de Ourique ao primeiro sinal de primavera. É a velha teoria do “não tens média para entrar na faculdade de medicina vai para a de dentária(..)!” que nos tem oferecido, nas últimas décadas, muitos dentistas com verdadeiro horror à boca do próximo e que explica o pânico generalizado a esta classe que atravessa tantas gerações.
Não consigo, e se calhar por isso não sou tão feliz como acho que mereço, aderir a sucedâneos, nem contentar-me com o menos.
Se me apetece que a casa cheire a pinho, não compro Ajax de lavanda só porque o outro esgotou naquele supermercado. Percorro mais um quarteirão até encontrar o que realmente quero. Se me apetece ouvir a Elis Regina, é escusado tentarem impingir-me a Maria Rita, que é filha da outra senhora e tudo, e até nem canta mal, mas não é a mesma coisa.
O problema — porque aquilo que vos relatei antes não é um verdadeiro problema para quem não atinja o meu grau de neurose (há de haver quem — e Bem! — se esteja borrifando para o detergente de pinho) — dos dias que correm, é que, também nas relações pessoais, as pessoas consomem sucedâneos, contentam-se com o menos e, cada vez mais, barram a alma com margarina e limpam as memórias com detergente de lavanda.

Em Economia chamamos-lhe second best. Houve um tempo em que os divórcios não se faziam, hoje é quase clausula de casamento. É bastante mais visivel o que fala, concordo que há uma insatisfação talvez, mas o sermos demasiado perfeccionistas na escolha pode levar a um vazio. Onde se situa o equilibrio é a grande escolha...
Por essa do sucedaneo lembro-me sempre do gosto duvidoso de quem compra um carro vermelho Ferrari porque não pode comprar o dito.
"Second best"... é isso mesmo! (cheguei a estudar o conceito nas minhas cadeiras de economia). Não lhe parece que a expressão em si é já suficientemente pejorativa para que não se queira fazer depender dela a nossa felicidade? Antes o vazio de que fala do que viver uma vida inteira sem saber o que é a plenitude.
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