a (dis)simulação e a reserva
Ora, a simulação, diz-nos o artigo 240º do C.C., ocorre "se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiro, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante". Está-se mesmo a ver que não é nada disto. Não há terceiro nenhum e, do que aqui se trata, é de enganar o outro.
Muito bem. Significa isto que, quando alguém emite uma declaração não coincidente com o que realmente lhe vai na alma (assumindo que não a tenha vendido ainda) para enganar o próximo (que ignora a falsidade dessa mesma declaração) está— por cominação legal — a emitir uma declaração válida?
Significa isto que de todas a vezes em que fui enganada (e assumindo que desconhecia a inverdade das declarações) o declarante estava à mesma vinculado às declarações proferidas como se estas fossem verdadeiras? Houve formação do negócio, portanto? E posso recorrer à execução específica, mesmo que depois —piadinha feminina maldosa— acabe tudo em simulação?
Eu sei que é um bocadinho insuportável esta mania de reconduzir relações emocionais a institutos jurídicos, mas não podem negar que se produzem alguns efeitos de raro interesse.
Veja-se, por exemplo, a intrigante corrente doutrinária que podia formar-se a partir daqui — digna de acolher apoios das mais variadas escolas de pensamento — com a extrapolação desta teoria juscivilista para uma juspenalista que legitimasse, nestes casos, a actuação ao abrigo do número 1 do artigo 134º do Código Penal Português ( "quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito (…).”).
Nestes casos, de declarações aparentemente inequívocas e inquestionáveis, juradas em cima de uma qualquer bíblia imaginada, e tendo por alicerce honras de papel de arroz, estão, parece-me, preenchidos os elementos que excluem a ilicitude do tipo criminal do homicídio a pedido da vítima. Há quem esteja, de facto, a pedi-las.