É uma casa vazia de gente com muita mobília, feita de silêncios que são os ruídos dos outros. É um sótão com tralha que se trouxe das outras vidas, onde entramos, a espaços, pé ante pé, antecipando nervosamente as sombras que a solidez das formas projecta em contra-luz. É a banda sonora que escolhemos para cada momento, em detrimento da voz impositiva e pesada dos outros. É o eco de um sino de igreja que chama os fiéis a celebrações que não as nossas. É o chiar, a cada dez minutos, de um velho comboio nos carris de uma viagem que, desta vez, não seremos nós a fazer. É o ruído da festa do vizinho de cima, de idade indefinida, que celebra uma alegria que desconhecemos e não queremos partilhar. É um "não" que se disse, um "sim" que foi insuficiente, inábil, imperceptível. É a serenidade de uma porta fechada, de uma janela com estores corridos, de uma luz de intensidade reduzida. São armários com prateleiras e gavetas cheias. É chá para um. É, além de tudo isto, bater a porta do lado de fora para rumar à partilha do que se conseguir e quiser. E voltar em paz.
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