A minha mãe costuma contar a historia das minhas birras de criança. Aparentemente era uma criaturinha bastante calma e ensi(mim)mesmada, sem grande enlevo por berrarias. Ainda antes de aprender a falar causei o pânico na família com os episódios que envolveram deslocação colectiva até as urgências do hospital mais próximo. Consta que, sem razão aparente, deixava de respirar até ficar azul. À terceira entrada nas urgências sem que qualquer insuficiência pulmonar (ou outra) me tivesse sido detectada, um pediatra mais velho aproximou-se da minha mãe lavada em lágrimas comigo nos braços, fez algumas perguntas quanto ao momento de manifestação da falta de ar, pediu licença, e espetou-me uma palmada. A falta de ar passou, e consta que, ao contrário do esperado berreiro houve a fuga com ar indignado para o colo do avô. Não tornei a ter faltas de ar. Segundo aquele experimentado e sabedor pediatra cada vez que era contrariada esta adorável e pacífica criança escolhia, pura e simplesmente, deixar de respirar. Já imaginaram que bom que seria se metade das peixeiradas pelas quais nos fazem passar ao longo da vida fossem substituídas pelo silêncio e pela asfixia? Parece que há vidas que, desde muito cedo, não são para meninas.
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