Luísa
[ Luíza, Tom Jobim ]
Luísa (nome fictício) foi minha colega de faculdade. Fazia parte daquele grupo de pessoas que se sentava na fila da frente das aulas teóricas tirando notas a um ritmo quase violento. Tinha um estilo entre o anacrónico e o rudimentar, trajando num meio caminho entre uma recém-admitida ao noviciado e uma menopáusica dos subúrbios. Acho que só no último ano da licenciatura troquei algumas palavras com Luísa, que me olhava sempre entre a reprovação e o deslumbramento por um mundo distante. Não eram assim tantas as coisas que nos separavam, mas, a Luísa, incomodava visivelmente a questão formal: não tolerava o sarcasmo (que sentia como agressão pessoal) e não compreendia a ironia. Luísa achava as figuras de estilo uma futilidade desnecessária e embora concedesse da sua utilidade na literatura, na vida pareciam-lhe intolerável esbanjamento de recursos.
Apesar do fosso, acabei por manter com Luísa uma relação cordial, um pouco como a de duas criaturas de espécies de tal maneira distintas que sentem necessidade de manter um mínimo de proximidade para se estudarem mutuamente.
Tinha, naquela altura, a certeza que Luísa ¬— beata e ingénua — era virgem, tal como hoje tenho a certeza que não conheceu nenhum homem senão o seu marido, Joel.
Há cerca de 6 meses encontrei Luísa na rua. Tinham passado 4 anos desde o último almoço que reuniu vários ex-colegas. Comunicou-me, com o sorriso das mulheres libertadas do peso da virgindade tardia, que tinha acabado de casar. Que Joel, militar, era um homem bom e trabalhador, um óptimo companheiro e que estava feliz na sua nova condição. Depois de ver respondida a pergunta da praxe sobre a minha vida, olhou-me com o ar maternal das senhoras casadas e disse-me, em tom de confidência cúmplice, que eu devia casar “porque, depois de casar, tem-se sempre companhia, nunca mais estamos sozinhos”.
Despedi-me com sinceros desejos de vida longa e feliz para Luísa e seu Joel. E vim, pelo caminho, a pensar naquela miúda, da minha idade, que, comunicando ao mundo o seu enlace para a vida, nem por um momento usou o verbo amar (o outro), estar (apaixonado), gostar (do Joel), mas sempre se fixou na bondade e na companhia. Para Luísa, casar foi envolver-se num abraço morno que lhe trouxe os prazeres antes vedados. Para bem (e para mal) de Luísa não creio que ela alguma vez vá sentir (por e com Joel) aquela necessidade animal de amar e ferir o outro, na mesma exacta medida, que traz tanto de prazer como de doença a uma relação. Não creio que vá saborear a urgência agressiva do corpo do outro e até da sua crueldade, de amar com despeito pela necessidade que dele se tem como se fosse ar que nos falta. Não creio, sequer, que vá sentir a saciedade da batalha vencida ou a resignação amarga das feridas curadas depois de cada queda. Mas será feliz, Luísa, na doçura tépida da companhia proporcionada pelo seu bom homem. Abençoada Luísa, tão mais feliz e realista no desconhecimento e ausência do egoísmo predatório.
Posted by Isobel | 3:05 da tarde
Posted by LAC | 3:39 da tarde
"Let the people who never find true love
keep saying that there's no such thing.
Their faith will make it easier for them to live and die."
Posted by R. | 3:45 da tarde
Posted by ocaso epico | 11:46 da tarde
Ou muito me engano, ou esta é mais uma Luísa candidata a subir a calçada de carriche.
Posted by Paula Sofia Luz | 12:45 da manhã
Posted by sem-se-ver | 3:10 da manhã
Posted by LAC | 9:55 da manhã