Mel Com Cicuta 

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room.

 

William Hazlitt  
      

   

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Passeando pelas ruas de Amesterdão, observando pais que levavam, nas bicicletas, crianças sorridentes, repensei a minha posição aobre a maternidade.

Deambulando pela minha rua, a caminho do escritório, pela manhã, a minha posição sobre a maternidade voltou ao patamar pré-Amesterdão.


As crianças portuguesas guincham...e quase que nem era dia ainda...

Credo... alguém me dá um antídoto para o efeito que a vida tem sobre nós?

A criança acaba de nascer. Retirada de dentro da mãe, é colocada sobre ela, embrulhada em panos assépticos, o cordão umbilical ainda por cortar...A criança chora um choro sentido. Medo? Desprazer? Raiva? A mãe chora silenciosamente. Emoção. Olha para o filho e pensa: "Veio de mim esta vida que, exteriorizada pela minha força e pela minha dor, agora começa." Erro dela. O que ela não sabe (ou, se sabe, não se recorda) é que, antes dessa presença física, a vida que o corpo do filho traz já havia começado a delimitar de antemão um trajecto vivencial, e não agora. Começou antes, em discursos e instituições. Poderia ser um elaborado discurso mais ou menos desta forma:
A tua vida começou há milénios, porque há milénios inventámos um deus, inventando com ele a razão do nosso afastamento dele, para que ele nunca precisasse ser invocado senão pela fé. A razão inventada? Um pecado original... Inventámos o pecado original, o começo de todos os começos, anterior a toda e qualquer vida individual, e capaz de macular, colectivamente, até o fim dos tempos, todos os nascidos. Eis aqui o teu estigma, a tua parcela de pecado, aquilo que deves expiar pelo simples facto de teres nascido e estares vivo.
Poderia ser outro cientificamente adequado:
A tua vida começou há um século atrás, porque há cem anos inventámos um deus, inventando com ele a razão do nosso afastamento dele, para que nunca pudesse ser invocado senão pela ciência. A razão inventada? Um inconsciente... Inventámos o inconsciente, a génese de todas as origens, anterior a toda e qualquer vida individual, capaz de encarnar a maldade, colectivamente, até ao fim dos tempos, em todos os nascidos. Eis aqui o teu diagnóstico, o teu julgamento, a tua parcela patológica, aquilo que deves controlar pelo simples facto de teres nascido e estares vivo.
Duas instituições, dois discursos. Teologia e racionalidade inscrevendo no corpo que recém-nasce dogmas e verdades que elas asseguram verem ali, e, na descrição do que vêem, escrevem já a história dessa criança. Somos a criança, esta máscara que nos infantiliza a todos, na a-cronologia rabiscada pela má-consciência e pelo ressentimento.
No começo há o mal - objecto para a religião e a ciência. É o começo e somos, já, pecado e perversidade, erro e doença - marcas invisíveis de uma natureza dada como conhecida, ensinada como imutável.
O que seremos depois? Para que território fugir? Enquanto não sabemos podemos ser só nós.
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